quarta-feira, dezembro 06, 2006

Biografia de Walt Disney é triunfo literário

LOS ANGELES (Hollywood Reporter) - A arte imita a vida e a vida imita a arte -- e às vezes é difícil dizer qual é qual.
Tome-se o caso da cidadezinha de Marceline, em Montana -- um lugar tão idílico, tão ordeiro, tão quintessencialmente americano que pareceria impossível aperfeiçoá-lo. A cidade começou a decair com a chegada do automóvel e das multidões, mas conserva um eterno lugar de honra nas memórias de várias gerações de americanos.

A pessoa que a colocou ali, que se recordou de Marceline como o melhor dos lugares possíveis, foi Walter Elias Disney, que morou na cidade durante alguns anos, quando era criança, na virada do século 20. Não importa que seu pai tenha falido em Marceline, obrigando a família a mudar-se para a cidade grande. Disney pegou o paraíso e, como era sua característica, o aperfeiçoou, transformando sua visão em Main Street, USA, um lugar perfeito no mundo perfeito da Disneylândia.

Disney morreu há 40 anos. Desde sua morte, historiadores e estudiosos da cultura pop não pararam de discuti-lo. Alguns acreditam que ele fosse um personagem tão sombrio quanto os feiticeiros e as bruxas que criou.

Neal Gabler, autor do indispensável "An Empire of Their Own: How the Jews Invented Hollywood" (Um império próprio: como os judeus inventaram Hollywood), além de outros livros de história cultural e do cinema, ganhou acesso irrestrito ao imenso arquivo Disney, sob a única condição de que escrevesse um livro sério.

E isso ele certamente fez em "Walt Disney: The Triumph of the American Imagination" (Walt Disney: o triunfo da imaginação americana). Gabler diz muita coisa que poderia ter deixado Disney incomodado, mas ele também o exonera de acusações de longa data, a mais grave das quais é a de anti-semitismo. Ele diz que Disney não era anti-semita e explica como essas acusações surgiram.

Disney percorreu um caminho longo entre residente de Marceline e ícone cultural, e Gabler relata esse caminho meticulosamente nas páginas de seu livro muito longo, mas sempre interessante. Movido por uma família estranha e infeliz -- o que sempre constitui motivação para as pessoas darem certo em alguma coisa e depois se afastarem da família --, Disney fundou uma firma de anúncios publicitários com desenhos animados, depois uma sociedade com um sujeito de nome esdrúxulo, Ub Iwerks (formalmente Ubbe Iwwerks) para criar animações.

O novo estúdio não demorou a ser visto como um dos melhores em seu campo, mas, graças aos gastos feitos livremente por Disney, vivia à beira da falência. E assim continuava quando o estúdio foi transferido para Hollywood.

Após uma negociação dolorosa que quase lhe custou sua companhia, Disney juntou idéias de muitas fontes e criou o ratinho Mickey, que agradava por ser facilmente reconhecível e fácil de desenhar.

O mercado aceitou Mickey, e o estúdio Disney deslanchou, criando uma sucessão de desenhos animados brilhantes que emocionaram o público da época da Grande Depressão: "Os Três Porquinhos", "Branca de Neve e os Sete Anões", "Bambi" e "Pinóquio". O dinheiro não parava de entrar, mas, como observa Gabler, "Disney não era grande empresário. Ele só dava valor ao dinheiro como meio para alcançar um fim".

Mas ele conservava o estúdio sob controle rígido sob outros aspectos, e a figura simpática que mostrou durante todos aqueles anos em "The Wonderful World of Disney" não era a mesma que seus funcionários viam.

Bastaria seu perfeccionismo -- "Branca de Neve" foi um exercício de obsessão que se arrastou por anos -- para causar atritos, e, quando a carga horária longa e os salários baixos levaram seus artistas a entrar em greve, Disney se transformou. Antes apolítico, ele se convenceu de que "o inimigo era o comunismo... que entrara em Hollywood escondido, como um cavalo de Tróia, para promover valores nocivos à democracia" e destruir tudo pelo qual ele, Disney, trabalhara.

Seus aliados na nova luta pelos valores familiares, que nunca mais terminou, incluíram um misto esdrúxulo de tipos de extrema direita. Alguns deles eram anti-semitas. Foi assim que Disney acabou sendo acusado de anti-semitismo. E é por isso que a simples menção ao nome Walt Disney é capaz de reacender controvérsias de décadas atrás, até hoje.

A genialidade do célebre artista e cineasta nunca esteve em dúvida, diz Gabler. Disney criou filmes transformadores que perduram, que a maioria de nós carrega em algum lugar de sua memória, mas que nem sempre produziram resultados felizes em outros aspectos da vida. "Walt Disney" é um livro notável, mas que sem dúvida não traz a última palavra sobre seu tema. Entretanto, é a mais essencial e a mais fundamentada ouvida até agora. [Reuters]

0 comentários:

Postar um comentário