quarta-feira, abril 13, 2011

Marabá em poesia

Licor



*Ademir Braz






Pela noite cega, sob o mormaço do céu,

vai pela orla um roçar macio e quente

de saias, sedes, frenesis, ansiedade.

Um minotauro ruge. Em torno dele, a cidade

- metade bicho, outra metade gente -,

redemoinha áspera como um carrossel.

Não há luar. Nenhuma estrela sobressalta.

Há só promessa, na distante madrugada.

Enquanto baila o desvario sob a mansarda,

uma argamassa de suor luminescente

esmalta risos e amores na calçada,

dentro da noite de vinil sonora e mansa.


À minha ilharga alguém conversa em voz alta

e traça planos de beber com prostitutas:

“Essas meninas, diz um deles, são astutas...”

O outro, longe, distraído, nem o escuta,

eu olho e vejo nelas duas faces de criança.



A luz é prata deste lado da enseada;

a praia, além, um boto imerso em negritudes;

a festa em terra soa como arlequinada

e o rio no cio guarda no leito plenitudes.

Do prédio a prumo partem sons em revoada,

trincar de taças, gargalhadas e um perfume.

São artimanhas do amor, do negro ciúme

- inconfidências que o licor torna profanas.



Vive-se, aqui, à beira da sorte humana.



Há, neste multiplicar de luzes e espelhos,

signos arcanos, totens místicos, reflexos

da magia ancestral que põe no ar os nexos

do sonho, da água, das coisas transumanas,

e onde o destino imprime a ferro suas marcas.

Para além do horizonte, tecem as parcas

o inventário do que somos. E se engana,

ó deus do desperdício e das quimeras,

quem ouve só a melodia dos teares velhos,

enquanto a vida passa-lhe entre os joelhos!...

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